A intervenção precoce da psicose funciona, mas podemos avançar para a prevenção?

Muitos indivíduos com alto risco familiar de esquizofrenia apresentam déficit cognitivo e social muito antes do início da doença, de acordo com um estudo pioneiro na Dinamarca. Essa descoberta incentiva os esforços para aumentar a resiliência. O estudo dinamarquês OPUS sobre primeiro episódio de psicose também contribui muito para a metanálise convincente, mostrando que uma intervenção precoce abrangente, traz benefícios funcionais para os pacientes e economia para a sociedade.

Em comparação com a população em geral, indivíduos com um ou ambos os pais que tiveram um diagnóstico de esquizofrenia:

  • Crescem em circunstâncias difíceis. O ambiente doméstico foi considerado inadequado, principalmente por falta de estímulo, em 21% dos casos. Isso ocorreu com apenas 2% das famílias no grupo controle.
  • Estavam mais susceptíveis de atrasarem o início da educação (17% vs. 7%)
  • São significativamente mais propensos a serem diagnosticados com um transtorno psiquiátrico infantil, principalmente ansiedade ou TDAH
  • Têm função cognitiva, habilidades de linguagem e controle motor fino piores
  • São mais susceptíveis de apresentarem experiências semelhantes à psicose, como ouvir vozes ou ter visões
  • Mostram menos consciência sobre os outros em um teste da teoria da mente.

Todas essas descobertas, apresentadas por Merete Nordentoft (University of Copenhagen, Copenhague, Dinamarca) durante sua palestra plenária no ECNP 2019, são da avaliação de sete anos de crianças inscritas no Estudo de Alto Risco e Resiliência que recrutou 522 famílias, 202 com crianças em que um ou ambos os pais têm esquizofrenia.

Algumas crianças em risco são amplamente desfavorecidas, outras se saem bem. Precisamos promover a resiliência

Do lado negativo, há um grupo de crianças com risco de esquizofrenia que mostra desvantagens em todos os domínios da funcionalidade. Essa proporção de crianças com desvantagens múltiplas é maior do que a observada nas famílias controle. Mas, para ser mais positivo, cerca de um terço das crianças em risco estão indo muito bem, disse o professor Nordentoft.

 

Um grande OPUS

Outra iniciativa dinamarquesa, o estudo OPUS, é sem dúvida um ótimo trabalho. Mas para o professor Nordentoft, o nome também tem uma conotação especificamente musical. Dada a heterogeneidade entre as pessoas com primeiro episódio psicótico, o programa de tratamento assertivo que o estudo comparou com o ‘tratamento habitual’ (TAU, do inglês, “treatment as usual”) precisou ser pragmático o suficiente para tocar uma série de melodias.

No estudo, 275 pacientes foram randomizados para OPUS e 272 para receber (TAU). Todos receberam tratamento padrão por mais três anos.

Intervenção abrangente traz benefícios funcionais para os pacientes e economia para a sociedade  

O programa coordenado, baseado na comunidade, incluiu treinamento de habilidades sociais, terapia cognitivo-comportamental e tratamento para abuso de substâncias. Reconhecendo os aspectos práticos do dia-a-dia, também houve aconselhamento sobre dívidas. E o ponto central do programa era a psicoeducação familiar.

Em 90% dos casos, as famílias realmente se envolveram. E a equipe do OPUS as considerava, conscientemente, o parceiro mais próximo, um recurso que não podia ser comparado, e como co-sofredores cuja saúde mental também precisa ser protegida. “Obrigado pelo seu comprometimento” foi um reconhecimento usado com frequência e sinceridade. 

O estudo também reconheceu que houve um atraso antes dos pacientes se envolverem nos cuidados de saúde. A duração média da psicose não tratada foi de nove meses.

 

Recompensas pessoais e financeiras

A satisfação com o tratamento foi maior no grupo de intervenção e houve uma diminuição mais expressiva nos sintomas psicóticos em geral. Mas talvez o resultado mais satisfatório tenha sido o aumento do número de pacientes que foram capazes de viver independentemente aos sete anos.

Também houve benefícios econômicos para a saúde.1 Devido principalmente a um número reduzido de dias passados em um hospital ou instituição, os resultados mostraram que a intervenção do OPUS levou a uma economia de 24.000 euros por paciente nos primeiros cinco anos.

A melhora dos resultados após uma intervenção precoce abrangente agora é evidente em uma metanálise que incluiu os estudos OPUS, RAISE nos Estados Unidos e PIANO na Itália.2

Mesmo assim, estudos de acompanhamento de longo prazo indicam que o prognóstico de pessoas com primeiro episódio psicótico é muito diverso.3 Algumas têm altos níveis de funcionalidade e são capazes de parar de tomar medicamentos antipsicóticos. Para outras, não tomar medicamentos apresenta um risco claro de recaída. E ainda há outras que sofrem de doenças crônicas e precisam ser apoiadas em aspectos da vida cotidiana.

A doença mental é um grave problema de saúde pública e precisamos ser igualmente ambiciosos em nossos esforços de prevenção.

 

Ambição em relação à prevenção

Deveríamos fazer mais para melhorar as perspectivas de pessoas com problemas de saúde mental em geral e, em particular, de pacientes com esquizofrenia desassistidos. A doença mental é um grave problema de saúde pública e precisamos ser igualmente ambiciosos em nossos esforços de prevenção, disse o professor Nordentoft.

O professor Nordentoft observou que outros palestrantes foram corretos ao traçar um paralelo com a cardiologia4 ou, podemos acrescentar, o câncer. Em termos de prevenção, nós da psiquiatria ainda estamos em um estágio equivalente a intervir apenas após um infarto do miocárdio ou o desenvolvimento de uma doença metastática.

A intervenção precoce na psicose é a chave para o futuro da psiquiatria, especialmente desde a metanálise de Christoph Correll em 2018 de dez estudos que demonstram que a intervenção precoce é claramente superior ao tratamento habitual na melhora dos sintomas, função e qualidade de vida.2

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Referências

1. Hastrup LH et al. Br J Psychiatry 2013;202:35-41.

2. Correll C et al. JAMA Psychiatry 2018; 75:555-565

3. Wils RS et al. Schizophr Res 2017;182:42-48.

4. Insel TR.  Nature; 11;468:187-93.