Embotamento emocional e anedonia

Atualmente, os objetivos do manejo do Transtorno Depressivo Maior contemplam a abordagem e melhora de todos os componentes da depressão. A anedonia está presente em cerca de 3 a cada 4 pessoas com depressão e associa-se resposta subótima ao tratamento e pior prognóstica.

O embotamento emocional pode ter impacto na tomada de decisões e nos relacionamentos, e resultar em autocuidado precário e até pensamentos de autoagressão, em um esforço para sentir emoção. Qualquer uma dessas características pode reduzir a qualidade de vida, sendo fundamentalmente sua avaliação e manejo apropriados.

Este foi o tema abordado no episódio 5 do Lundcast que recebeu como convidado o médico psiquiatra, Dr. André Astete (CRM-PR: 15927 e RQE Nº: 7575) e destacamos alguns trechos mais relevantes do episódio.   

 

Dr. André, qual seria, na sua opinião, a melhor definição para embotamento emocional?

 

O embotamento é um colapso do processo de expressão emocional, e, é sentido basicamente pela ausência das experiências emocionais próprias. Uma pessoa com embotamento percebe a ausência das sensações características internas, que nós aprendemos a definir como as emoções. Além disso, é um conjunto de coisas que deixamos de ter e experimentar por conta da ausência dessas emoções. As emoções têm um papel na nossa vida mental de influenciar como enxergamos a realidade, como direcionamos a nossa atenção, nos tornamos mais hábeis para entender e processar as informações, e como liberamos certos comportamentos. Então, considerar o embotamento como um elemento discreto é um erro, pois corresponde a uma anulação de boa parte da vida mental consciente do indivíduo.

Outro ponto importante é a capacidade de ler e reagir ao ambiente externo diminuída, “para o bem e para o mal”, para as emoções positivas e negativas.

Existe também a depressão sem tristeza, quando o sintoma principal é a anedonia, justamente a falta de interesse, prazer e motivação, mas não necessariamente falta a capacidade de perceber o afeto negativo externo. A maioria das pessoas não consegue identificar um indivíduo deprimido na ausência da tristeza. Por vezes, esses pacientes não recebem apoio e acolhimento, eles recebem críticas muitas vezes agressivas. O que não acontece quando temos uma manifestação da depressão mais dolorosa, com o paciente melancólico, chorando. De uma maneira geral, as pessoas se compadecem com um padrão de manifestação mais emocional, são mais acolhedoras.

 

E qual a diferença entre embotamento e anedonia?

Apesar de dividir academicamente e tentar estudar e analisar de uma forma diferente, na prática um individuo que chega no consultório, deprimido, muitas vezes ambos se apresentam de forma parecida. Anedonia é um dos sintomas cardinais da depressão, que pode aparecer junto com a tristeza e o humor deprimido, ou não, pode acontecer de forma isolada. Quando o indivíduo tem anedonia, uma das questões básicas é a diminuição da motivação, a falta de interesse e prazer, mas ele não perde a capacidade, por exemplo, de reagir as emoções negativas, que se apresentem ao ambiente, mas perde a experimentação de emoções positivas. Esse sintoma está presente na maioria dos pacientes deprimidos, os estudos mostram que cerca de 75% dos pacientes com depressão apresentam anedonia em diferentes intensidades.

Já no embotamento emocional, há uma diminuição da capacidade de manifestação das emoções, uma diminuição de reatividade ao ambiente tanto para emoções positivas quanto para as negativas. O indivíduo deixa de modular bem as suas reações frente aos estímulos externos. Na visão do leigo, a pessoa fica meio “blasé”, para ela tanto faz, tanto faz ir para um lado ou para o outro, é um tanto faz sem emoção.

É importante entender essa diferença porque o embotamento pode aparecer como um efeito adverso do tratamento com medicamento antidepressivo, enquanto a anedonia, que é um dos sintomas centrais do episódio depressivo, mas na prática clínica são muito parecidos.