Enviesando o sistema: investigando fatores de risco e de resiliência para doenças psiquiátricas

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O objetivo desta palestra da professora Elizabeth Binder, do Instituto Max Planck de Psiquiatria na Alemanha, foi abordar os mecanismos moleculares que descrevem como a adversidade no início da vida pode ser incorporada e afetar a função celular, bem como alterar o estado de um indivíduo quanto ao risco ou a resiliência a doenças psiquiátricas. Sabe-se que a adversidade in utero, ou mesmo anterior, pode predispor algumas pessoas a doenças psiquiátricas, ao passo que outras são mais resilientes a essa exposição. Que fatores podem desempenhar um papel na determinação de quais pessoas desenvolvem uma doença, enquanto outras permanecem não afetadas?

Este risco aumentado da doença resulta de uma interação complexa de predisposição genética e fatores ambientais, que irão variar entre os indivíduos de forma diferente ao longo do tempo. Pacientes com sintomas semelhantes de doença psiquiátrica podem, portanto, ter atingido esse ponto como resultado de diferentes trajetórias de risco. Portanto, é extremamente difícil, se não impossível, trabalhar com o paciente e entender o que aconteceu antes na sua vida até aquele momento da primeira abordagem, de modo a investigar as causas precoces de sua doença. Em vez disso, pode ser mais fácil analisar os fatores de risco candidatos no nível molecular e acompanhar seus efeitos de forma longitudinal.

A resposta glicocorticoide fornece uma ‘ponte’ entre adversidade ambiental e expressão de DNA2

Resposta ao estresse: uma ponte entre efeitos comportamentais e transcrição de DNA

Um bom candidato para as interações entre gene e ambiente são os sistemas hormonais que mediam as respostas para o estresse ambiental. O sistema glicocorticoide mostrou-se desequilibrado em pacientes com transtornos psiquiátricos.1 Além disso, os glicocorticoides exercem seus efeitos no nível da transcrição do DNA na célula. Eles, portanto, poderiam fornecer uma ‘ponte’ entre adversidade ambiental e expressão de DNA.2

Efeitos genéticos e epigenéticos dos glicocorticoides

Os efeitos dos glicocorticoides nos fatores genéticos foram investigados em um modelo celular usando células progenitoras do hipocampo humano. No momento em que essas células estavam proliferando, o tratamento com glicocorticoides produzia grandes alterações na expressão gênica que eram revertidos quando o glicocorticoide era retirado. Também foram detectadas alterações na epigenética, com desmetilação dos locais reguladores, produzindo um efeito duradouro nos locais associados à regulação dos glicocorticoides.

A exposição precoce ao estresse pode produzir uma ‘memória’ epigenética que aumenta o risco de outras adversidades

Equilíbrio diante de futuras adversidades

Essas mudanças pareceram produzir aquilo que a professora Binder chamou de ‘estados equilibrados’. “Estados equilibrados” significam que a exposição a glicocorticoides resultou em alterações epigenéticas que, por sua vez, poderiam resultar em maior ativação do sistema na exposição subsequente - e, portanto, uma potencial vulnerabilidade a eventos estressantes. Ela vinculou essas alterações aos resultados da adversidade humana, a partir de dados post-mortem. A exposição precoce ao estresse e aos glicocorticoides pode não aumentar a expressão gênica, mas produz uma ‘memória’ epigenética que é desmascarada em estímulos posteriores e aumenta a resposta celular ao estresse. Isso fornece um modelo de risco e de resiliência aos transtornos psiquiátricos.

Mediação genética de risco e de resiliência

O estresse precoce e uma resposta aumentada para o cortisol podem colocar as pessoas em uma trajetória de risco para transtornos psiquiátricos posteriores e esse processo pode ser mediado, em parte, por efeitos genéticos e epigenéticos

Como os fatores genéticos moderam essas vias e, portanto, fornecem risco ou resiliência? O gene FKBP5 (Peptidil-prolil cis-trans isomerase FKBP5) é regulado positivamente em áreas límbicas e outras áreas, por meio da exposição aos glicocorticoides, e, aparentemente, sinaliza uma resposta imediata ao estresse. Sua ativação também fornece um feedback negativo na  produção de glicocorticoides, a fim de moderar a resposta ao estresse, e interage com muitas outras vias metabólicas que afetam o funcionamento neuronal. O FKBP5 é, portanto, um bom candidato como mediador entre a resposta ao estresse e a vulnerabilidade futura.

A exposição ao trauma produz desmetilação de sítios no FKBP5,3 a qual se sobrepõe aos locais desmetilados por intermédio do tratamento com glicocorticoides. Essas alterações de desmetilação revertem após 24 horas em indivíduos saudáveis, porém a dinâmica é diferente para pacientes com transtornos psiquiátricos. Em pacientes com Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), essa desmetilação do FKBP5 após o estresse mostrou ser muito mais estável ao longo do tempo. As razões para isso estão sendo investigadas.

Os resultados iniciais indicam uma trajetória de problemas psicossociais após a adversidade precoce combinada com risco genético

Os efeitos longitudinais da desmetilação e desinibição de FKBP5 também estão começando a ser investigados. Em um estudo sobre o padrão da vida familiar, as crianças expostas à violência doméstica foram investigadas quanto ao seu genótipo FKBP5, a alelos desse gene associados ao maior risco e à resposta a um estímulo ao cortisol em idade jovem. Aquelas com alelos de risco aumentado apresentaram um retorno mais lento ao nível basal na resposta ao cortisol e esse efeito foi exacerbado por terem sofrido violência interpessoal doméstica. À medida que as crianças cresceram, esse perfil de risco era associado a maior reatividade emocional, menores níveis de função executiva e menor capacidade de leitura na escola. Tudo isso pode predispor uma pessoa ao desenvolvimento posterior de problemas psiquiátricos. A relação entre a desinibição do FKBP5, a exposição à violência em um estágio inicial e tais problemas emocionais e comportamentais em um estágio posterior não foram determinísticos – existem muitos outros fatores complexos que podem interferir nesse processo. Contudo, aparentemente, esse estresse precoce e uma resposta aumentada para o cortisol podem colocar as pessoas em uma trajetória de risco para transtornos psiquiátricos posteriores e esse processo pode ser mediado, em parte, por efeitos genéticos e epigenéticos. As pesquisas futuras serão focadas naquilo que modera essa trajetória e em quais intervenções podem ser possíveis preveni-las.  

Para um artigo complementar sobre fatores de risco psicossociais na esquizofrenia, consulte:
https://progress.im/en/content/fit-life-environmental-risk-factors-and-schizophrenia

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2020/02/24 06:02:41
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Referências

  1. Pariante CM, Lightman SL. Trends Neurosci. 2008;31:464–8.
  2. Vaiserman AM, Koliada AK. Hum Genomics. 2017;11(1):34.
  3. Zannas AS, et al. Neuropsychopharmacology. 2016;41(1):261-74.