Esquizofrenia na atualidade: quão importante é a perspectiva do paciente?

Em um simpósio intitulado "Esquizofrenia na atualidade: quão importante é a perspectiva do paciente?" no ECNP 2022, o Prof. Paolo Fusar-Poli (Reino Unido) discutiu como é fundamental identificar fatores de risco em jovens que podem desenvolver psicose e, a longo prazo, esquizofrenia. Prevenir o início da psicose ou tratar a psicose precocemente é vital, pois o prognóstico a longo prazo piora à medida que a psicose permanece não tratada.

Em sequência, o Prof. Christoph Correll (EUA) discutiu a necessidade de proporcionar não apenas recuperação sintomática, mas também funcional, personalizando os resultados do tratamento. Um modo de fazer isso, como discutido pelo Prof. Stephan Heres (Alemanha), é através do uso da tomada de decisão compartilhada, que envolve o paciente e o cuidador trabalhando em parceria com profissionais de saúde. Isso pode levar à melhora da saúde a longo prazo e a um uso mais eficiente de recursos.

 

Entendendo a esquizofrenia na atualidade: o que há de novo?

Enquanto a idade média de aparecimento do espectro da esquizofrenia e outros transtornos psicóticos primários é de 20,5 anos,1 a integração de dados neurobiológicos e epidemiológicos revela um estágio pré-mórbido, do início da vida até a adolescência, com fatores de risco acumulados que levam, então, ao primeiro episódio. Isso pode ser seguido por uma série de recaídas na idade adulta jovem/média, e desenvolvimento de uma condição crônica.2 No entanto, muitas pessoas que apresentam psicose podem ficar sem tratamento por um longo período de tempo,3 até o momento em que a vida social e ocupacional se deterioram,3 a função cognitiva pode ser prejudicada4 e pode ser difícil engajar com o paciente.5 Neste estágio, os sintomas podem ser graves e a hospitalização é necessária.3

Identificar precocemente aqueles em risco de psicose é fundamental para ajudar a prevenir o desenvolvimento e melhorar os desfechos a longo prazo

O Prof. Fusar-Poli discutiu três ingredientes principais, necessários para ajudar a prevenir a psicose:6

  1. detecção de pessoas em risco,
  2. formulação de uma ferramenta confiável de previsão de prognóstico e
  3. desenvolvimento de tratamento preventivo.

Embora sejam necessárias abordagens seletivas e indicadas para se direcionar a pessoas reconhecidas como em maior risco, de acordo com o Prof. Fusar-Poli: "Se quisermos mudar a curva de risco para detectar o desenvolvimento de psicose para toda a população, precisamos de uma abordagem universal."2 Isso é importante pois, "se pudermos detectar jovens nas fases iniciais, então, na fase clínica de alto risco, podemos oferecer cuidados preventivos e retardar, se não impedir, o início de mais deterioração e restaurar o status saudável, e mudar o curso e a vida de um jovem em longo prazo". Como exemplo de uma abordagem preventiva, o site do South London and Maudsley NHS Foundation: Trust's Outreach and Support in South London (OASIS), chamado "Me and My Mind", tem como alvo jovens que experimentam, por exemplo, paranoia e alucinações auditivas ou outras experiências incomuns.7

“As abordagens preventivas para melhorar a saúde mental dos jovens são o caminho mais promissor para mudar o curso do transtorno.”2

A longo prazo, a probabilidade de transição para psicose em pessoas com alto risco clínico para psicose (CHR-P, do inglês Clinical High Risk for Psychosis) aumenta;8 e quanto maior a duração da psicose não tratada, pior o desfecho em termos de sintomas negativos e positivos, funcionalidade e qualidade de vida (QV).9 Como tal, a previsão do primeiro episódio psicótico (PEP) é fundamental. Uma revisão de 42 metanálises descobriu que as pessoas com CHR-P frequentemente exibiam ideação suicida e autolesão, além de dificuldades laborais, educacionais, funcionamento social e QV.10 Outra revisão sistemática e metanálise descobriu que as pessoas com CHR-P tinham déficits em várias tarefas neurocognitivas, incluindo testes de velocidade de processamento, aprendizagem verbal ou visual, cognição social, memória de trabalho e atenção.11 Métodos com machine learning também estão sendo usados para ajudar a prever o risco PEP, como um em que um modelo de rede neural recorrente foi desenvolvido usando dados dos EUA de mais de 20 anos, incluindo 145.720 pessoas com PEP e controles. Com essa metodologia, foram capazes de demonstrar que é possível melhorar a detecção de pessoas com CHR-P.12

 

Pensando além do controle de sintomas na esquizofrenia: recuperação funcional

“Precisamos dar [aos pacientes diagnosticados com esquizofrenia] habilidades e saídas para estarem conectados com as pessoas, com a vida e consigo mesmos”, disse o Prof. Correll. “Para isso, precisamos de intervenções psicossociais.”

O tratamento da esquizofrenia normalmente envolve as fases aguda, de estabilização e manutenção.13 Os resultados dentro dessas fases incluem a resposta inicial ao tratamento (18-65% no geral, 40-87% para PEP13), depois a remissão dos sintomas (apenas 7-52% no geral, 17-81% para PEP13), depois a recuperação em termos de funcionamento independente (apenas 8-20% no geral, 16,6% para PEP13).14-17 Entretanto, em cada estágio, pode ocorrer recaída (57,3% no geral13) e a remissão e recuperação podem ser impactadas.13 Isso pode ser em termos de QV relacionada à saúde (HRQoL)18 – incluindo domínios de funcionamento físico e social, e domínios de percepções de bem-estar19 – e funcionalidade18 – incluindo domínios de educação/trabalho, relacionamentos, funcionamento comportamental e satisfação com a funcionalidade.20,21

Um fator que pode impactar o desenvolvimento do PEP são substâncias psicoativas, especialmente cannabis e alucinógenos, e, em menor grau, sedativos e álcool.22 Os fatores preditivos para desfechos ruins a longo prazo após o PEP incluem fatores fixos: sexo masculino, início mais precoce da doença, maior duração da doença, doença mais grave e ajuste pré-mórbido; e fatores modificáveis: não adesão, comorbidades, maior duração da psicose e não resposta precoce aos antipsicóticos.13

É necessária uma intervenção precoce e sustentada para ajudar a alcançar a remissão e prevenir a recaída em pacientes com esquizofrenia

A intervenção precoce é fundamental, pois tanto a remissão quanto a recuperação são positivamente impactadas por ela.23 Por exemplo, um estudo que investigou a recuperação no PEP (n=392) descobriu que em 3 anos, enquanto 51,7% tiveram recuperação sintomática, 44,3% tiveram recuperação da QV, 35,0% recuperação funcional e apenas 17,1% tiveram recuperação em todos os três domínios. Este estudo também mostrou como a recuperação pode ser prevista pela remissão precoce (dentro de 3 meses) com 65,3% de 49 pacientes com remissão precoce, mostrando recuperação em todos os três domínios em 3 anos, em comparação com 10% dos 310 pacientes com não-remissão precoce.24

Para auxiliar a recuperação, a farmacoterapia pode ser combinada com intervenções psicossociais, como treinamento de habilidades sociais, reabilitação profissional, terapia de intervenções familiares, psicoeducação e terapia cognitiva.25,26

Ao visar a recuperação, é importante personalizar os desfechos para um paciente com esquizofrenia. O manejo precisa levar em conta as doenças comórbidas5,25 e abordar o funcionamento psicossocial nos domínios do trabalho/educação, relações interpessoais, autocuidado e tempo de lazer.5,26 Os sintomas negativos da esquizofrenia são preditivos do funcionamento psicossocial, como atividades comunitárias, comportamento interpessoal e habilidades de trabalho, especialmente seu impacto na competência social.27 Os sintomas negativos podem ser complexos, sendo não apenas resultado da doença, mas também de morbidades físicas (como dor crônica ou apneia do sono), condições ambientais (como estigma e privação) e efeitos adversos dos medicamentos.28 A disfunção cognitiva na esquizofrenia também pode ser impactada por comorbidades, como síndrome metabólica, diabetes e hipertensão.29

No entanto, é importante notar que a funcionalidade pode ser afetada por eventos adversos de medicamentos. Por exemplo, efeitos adversos ativadores podem afetar o sono e se manifestar como agitação e tremor dos braços. Efeitos adversos de sedação podem deixar uma pessoa se sentindo "drogada" e/ou sonolenta durante o dia, e causar tonturas/desmaios. Outros efeitos adversos podem incluir ganho de peso e disfunção sexual.30

“Os efeitos adversos [da medicação]”, discutiu o Prof. Correll, “não são apenas uma variável incômoda. Eles estão realmente entre a aliança da eficácia e da adesão. Precisamos de tratamentos promotores de adesão e reduzir os efeitos adversos.”31

A prevenção de recaídas também é crucial, pois as recaídas estão associadas a uma série de dificuldades, incluindo sintomas de longo prazo, incapacitação, diminuição da resposta ao tratamento,32,33 aumento do risco de suicídio,33 declínio da estrutura cerebral,34 aumento da carga familiar/cuidadores e maior uso de recursos de saúde.32

 

Considerando a perspectiva do paciente no tratamento da esquizofrenia: tomada de decisão compartilhada

Estudos mostraram que 30% dos pacientes sentem que seu médico não fala com eles sobre sua medicação,35 61% dizem que tomariam uma decisão de tratamento diferente do seu médico36 e 60% dizem que não lhes foi oferecida uma escolha entre dois medicamentos.35 De fato, outro estudo destacou a necessidade de melhores habilidades de comunicação entre profissionais de saúde mental e a necessidade de ferramentas de apoio à decisão.37

Quase um terço dos pacientes sente que seu médico não fala com eles sobre sua medicação e quase dois terços dizem que fariam uma escolha de tratamento diferente

O modelo paternalista é aquele em que o médico decide sozinho o tratamento do paciente. Na tomada de decisão compartilhada, o papel do médico é fornecer orientação profissional, informar os pacientes e ajudar a desenvolver suas preferências pessoais.38 Isso também pode levar em consideração as contribuições dos cuidadores de pacientes.39 Ao fornecer informações e apoiar o processo de tomada de decisão, o objetivo é ajudar a dar aos pacientes a capacidade de fazer escolhas livres e independentes em relação aos seus objetivos de saúde.40,41 Isso leva em consideração que, embora o médico possa saber muito sobre a doença como um todo, o paciente e seus cuidadores são os especialistas quando se trata do indivíduo.39 Um plano de tratamento compartilhado derivado desse processo pode levar a uma melhora da saúde e um uso mais eficiente de recursos.38,42

Com a tomada de decisão compartilhada, o papel do médico pode fornecer orientação profissional, informar os pacientes e ajudá-los a desenvolver preferências pessoais 38

Um modelo de três etapas foi estabelecido para auxiliar o processo de decisão compartilhada:

  • A Etapa 1 inclui o Choice Talk (Conversa sobre Escolhas), onde o paciente é informado de suas opções e da necessidade de considerá-las.
  • A Etapa 2 envolve a Option Talk (Conversa sobre Opções), onde informações mais detalhadas são fornecidas, e os prós e contras são ponderados com o uso de ferramentas de apoio à decisão, quando apropriado.
  • A Etapa 3 é a Decision Talk (Conversa de Decisão), onde o paciente é ajudado a explorar o que é mais importa para eles, de modo a fornecer preferências de tratamento personalizadas.38,40

O treinamento em tomada de decisão compartilhada para pacientes pode resultar em um comportamento mais ativo durante as consultas psiquiátricas. O treinamento para profissionais de saúde mental pode melhorar a qualidade da aliança terapêutica e a aceitação dos tratamentos farmacológicos pelos pacientes.43

A formação de profissionais de saúde mental na tomada de decisão compartilhada pode ajudar a melhorar a aliança terapêutica43

Fatores que podem facilitar a decisão compartilhada também incluem crenças de saúde e traços de personalidade, juntamente com experiências positivas, falta de sintomas, comportamento do paciente durante a tomada de decisão e ter um bom relacionamento com seus filhos. Por outro lado, as barreiras à decisão compartilhada incluem não apenas os sintomas, o comportamento e os traços de personalidade de um paciente, mas também suas experiências, crenças de saúde, relações familiares e atitudes em relação ao tratamento psiquiátrico.44 Uma abordagem formulada à decisão compartilhada é chamada SDMplus (abreviação do termo eminglês Shared Decision Making), uma abordagem integrativa que combina uma abordagem clássica à decisão compartilhada com foco no reconhecimento de "vida ou morte", decisões "sensíveis à preferência" e "melhores escolhas", levando em consideração a preferência do paciente e as melhores práticas. Esse modelo demonstrou aumentar significativamente o nível percebido de engajamento de um paciente na tomada de decisão.43

A tomada de decisão compartilhada pode ajudar a alcançar e manter os objetivos do tratamento, melhorando a qualidade da aliança terapêutica

Uma ferramenta adicional, a entrevista motivacional, envolve quatro etapas sobrepostas: construir uma relação de trabalho por meio do engajamento; focalizar a direção da mudança; evocar e reforçar as motivações do paciente para a mudança, ideias e sentimentos; e formular um plano de ação que inclua as próprias soluções do paciente.38

O Prof. Heres concluiu dizendo que "a decisão compartilhada é essencial se você deseja manter os pacientes em tratamento".

A combinação da decisão compartilhada e da entrevista motivacional pode ajudar em áreas vitais, como a adesão à medicação.37,38,45,46

 

O suporte financeiro educacional para este simpósio Satélite foi fornecido pela Otsuka Pharmaceutical Development and Commercialization Inc. e Lundbeck A/S.

Referências

  1. Solmi M, et al. Mol Psychiatry. 2022; 27: 281-295.
  2. Fusar-Poli P, et al. World Psychiatry. 2021; 20: 200-221.
  3. Fusar-Poli P, et al. World Psychiatry. 2017; 16: 251-265.
  4. Tandon R, et al. Schizophr Res. 2009; 110: 1-23.
  5. American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. Fifth edition. United States of America: American Psychiatric Association; 2013.
  6. Fusar-Poli P, et al. Front Psychiatry. 2019; 10: 109.
  7. South London and Maudsley NHS Foundation Trust. Me and My Mind. OASIS. Available at: https://www.meandmymind.nhs.uk. Accessed 17.Oct.2022.
  8. Salazar de Pablo G, et al. JAMA Psychiatry. 2021; 78: 970-978.
  9. Howes OD, et al. World Psychiatry. 2021; 20: 75-95.
  10. Fusar-Poli P, et al. JAMA Psychiatry. 2020; 77: 755-765.
  11. Catalan A, et al. JAMA Psychiatry. 2021; 78: 859-867.
  12. Raket LL, et al. Lancet Digit Health. 2020; 2: e229-e239.
  13. Carbon M, Correll CU. Dialogues Clin Neurosci. 2014; 16: 505-524.
  14. Correll CU, et al. Clin Ther. 2011; 33: B16-39.
  15. Andreasen NC, et al. Am J Psychiatry. 2005; 162: 441-449.
  16. Lee BJ, et al. Psychiatry Investig. 2020; 17: 163-174.
  17. Leucht S. J Clin Psychiatry. 2014; 75 Suppl 1: 8-14.
  18. Brissos S, et al. Psychiatry Res. 2008; 160: 55-62.
  19. Berzon R, et al. Qual Life Res. 1993; 2: 367-368.
  20. De Silva MJ, et al. Br J Psychiatry. 2013; 202: 253-260.
  21. Brissos S, et al. Ann Gen Psychiatry. 2011; 10: 18.
  22. Murrie B, et al. Schizophr Bull. 2020; 46: 505-516.
  23. Correll CU, et al. JAMA Psychiatry. 2018; 75: 555-565.
  24. Lambert M, et al. Acta Psychiatr Scand. 2008; 118: 220-229.
  25. Abdullah HM, et al. 2020; 18: 386-390.
  26. Burns T, Patrick D. Acta Psychiatr Scand. 2007; 116: 403-418.
  27. Bowie CR, et al. Biol Psychiatry. 2008; 63: 505-511.
  28. Carbon M, Correll CU. CNS Spectr. 2014; 19 Suppl 1: 38-52
  29. Hagi K, et al. JAMA Psychiatry. 2021; 78: 510-518.
  30. Tandon R, et al. Ann Gen Psychiatry. 2020; 19: 42.
  31. Correll CU. J Clin Psychiatry. 2011; 72 Suppl 1: 9-13.
  32. Kane JM. J Clin Psychiatry. 2007; 68 Suppl 14: 27-30.
  33. Correll CU, Lauriello J. J Clin Psychiatry. 2020; 81 (4).
  34. Andreasen NC, et al. Am J Psychiatry. 2013; 170:609-615.
  35. NSF. That's Just Typical. Available at: https://www.researchgate.net/publication/278303037_That%27s_Just_Typica…. Accessed 17 Oct 2022
  36. Hamann J, et al. J Nerv Ment Dis. 2008; 196: 329-332.
  37. Fiorillo A, et al. Ann Gen Psychiatry. 2020; 19: 43.
  38. Elwyn G, et al. Ann Fam Med. 2014; 12 : 270-275.
  39. Mucci A, et al. Front Psychiatry. 2020; 11: 761.
  40. Elwyn G, et al. J Gen Intern Med. 2012; 27: 1361-1367.
  41. Elwyn G, et al. BMJ. 2010; 341: c5146.
  42. Foot C, et al. King’s Fund. 2014.
  43. Hamann J, et al. Epidemiol Psychiatr Sci. 2020; 29: e137.
  44. Becher S, et al. Health Expect. 2021; 24: 1737-1746.
  45. Hall K, et al. Aust Fam Physician. 2012; 41: 660-667.
  46. Coulter A, Collins A. The King’s Fund. 2011.