Funcionalidade como meta de tratamento no TDM

 

Atualmente a recuperação funcional é considerada pelas diretrizes de tratamento como um dos objetivos principais no manejo do TDM. Porém, muitos profissionais de saúde mental ainda priorizam a resposta clínica ou remissão dos sintomas, e, por vezes, minimizam a recuperação funcional. 

 

No episódio 28 do LundCast, convidamos a Dra. Clara Lapa (Médica Psiquiatra - CRM-RS: 38520 | RQE Nº 32024) para conversar sobre este tema que continua atual e relevante para a prática clínica do psiquiatra.

 

Leia abaixo um trecho extraído do podcast, e, para mais detalhes, CLIQUE AQUI e ouça este episódio na íntegra.

 

Dra. Clara, você poderia definir o que é funcionalidade?

A funcionalidade é um constructo muito grande. Com um pensamento mais simplista, é como a pessoa funciona: se ela consegue trabalhar, se ela consegue fazer as funções do dia a dia.

Mas quando a gente olha mais a fundo, às vezes tem um paciente que está funcionando, conseguindo trabalhar, mas quando ele volta para casa, não sente vontade de fazer mais nada. Logo, ele não se relacionará com a própria família, não terá momentos de lazer que lhe dê prazer, então esse paciente ele sai todo dia para trabalhar, consegue fazer minimamente as tarefas do dia a dia, mas tem um prejuízo funcional. Isso é importante porque a gente não pode ficar só na superfície da funcionalidade, tem que conseguir investigar como está a vida desse paciente, como está o engajamento dele com a sua própria vida.

 

O que seria o resgate da funcionalidade?

Quando a gente fala de resgate da funcionalidade, não pensa só na resposta do tratamento da depressão: o paciente não estava bem, agora ele está. A gente tem que ir além. Então, o paciente já não tem mais sintomas da depressão, mas não voltou a ter aquela funcionalidade pré-mórbida (antes da doença), antes da depressão.

Para devolver para o paciente tudo aquilo que ele tinha antes de ser acometido pela depressão.

O paciente espera do tratamento, além de não ter sintomas, sentir-se como ele mesmo novamente.

 

Quais são os sintomas ou efeitos adversos do tratamento que costumam ser relatados pelos pacientes, que mais impactam na funcionalidade?

Existe um sintoma que a gente chama de embotamento emocional. É claro que o paciente não chega no nosso consultório dizendo: “Dr., eu estou embotado”, até porque normalmente eles não conhecem esse termo; chega com queixas de apatia, um sentimento de estar mais anestesiado, ou com a frase: “Ah, Dra. pode estar caindo o mundo lá fora, que agora eu sinto que eu já não tenho mais as reações que eu tinha antes”. Isso pode parecer bom para aquele paciente que estava em sofrimento, ou que tinha uma ansiedade associada. Mas isso acontece não só para as coisas ruins, também para as coisas boas; ele não consegue sentir-se grato pelas conquistas, ou, chega no final do dia, ele não tem aquela vontade de se encontrar com um amigo, de ter momentos sociais porque ele está dessa forma anestesiado.

Esse descolamento do afeto impactaria na funcionalidade, e, pode ser um sintoma ou efeito adverso.

Um paciente que está mais embotado, em breve não estará com vontade de se envolver em tarefas que exigem uma demanda cognitiva maior - não vai aceitar desafios no trabalho, que vão fazer com que ele tenha uma promoção, com que ele evolua na sua profissão - não vai conhecer pessoas novas, porque ele também não está com muita vontade de socializar. Ele pode diminuir um pouco os sintomas, mas ficam com o embotamento. Isso acaba prejudicando bastante a funcionalidade como uma questão global (...) os pacientes embotados estão com prejuízos em toda a sua funcionalidade, isso piora o curso da doença, deixa a doença mais longa, usamos mais remédios tentando agir nesse sintoma, que pode ser um efeito colateral de uma primeira medicação.

 

Hoje em dia na psiquiatria, temos bastante ferramentas para tratar os transtornos, mas não estamos necessariamente conseguindo atingir o sucesso do tratamento. Isso é muito importante, não se prender só na questão se o paciente preenche ou não critérios da doença, mas ir além disso, para ver como esse paciente está no seu dia a dia, se ele está engajado com a sua vida.”