Interações entre o cérebro e o sistema imunológico

No 35º Congresso da ECNP (European College of Neuropsychopharmacology) em Viena, Áustria (15 a 18 de outubro), o professor Jonathan Kipnis (Universidade de Washington em St. Louis, St. Louis, Estados Unidos) deu uma palestra plenária intitulada ‘Novos insights sobre interações imunidade-cérebro’. Aqui ele discutiu que, longe de ser o órgão “imune privilegiado” que se pensava ser o cérebro, as meninges contêm uma grande variedade de células do sistema imunológico para ajudar a impedir que os patógenos entrem no sistema nervoso central. Estas podem ser residentes no sistema linfático recentemente elucidado do cérebro. Isso funciona ao lado de um “sistema glinfático”, pelo qual o líquido cefalorraquidiano infunde o cérebro para coletar resíduos e devolvê-lo ao sistema de drenagem. O trabalho do professor Kipnis e colegas mostrou que os monócitos que residem na dura-máter podem ser produzidos por células progenitoras da medula óssea do crânio. Essas células são geralmente menos inflamatórias do que as células periféricas, mas sua relação com os monócitos inflamatórios pode ser alterada devido a lesões e envelhecimento. Isso também tem implicações na doença de Alzheimer, que está sendo investigada atualmente.

Novos insights sobre interações imunidade-cérebro

O sistema nervoso central (SNC) foi historicamente classificado como um órgão “imune privilegiado”. Como tal, pensava-se que o cérebro e o sistema imunológico só interagiam sob condições de doença.1 Embora as principais células imunes residentes no cérebro sejam as microglias,2 muitos outros tipos de células do sistema imunológico já foram encontrados entre o crânio e o parênquima cerebral, incluindo macrófagos, monócitos, células B, neutrófilos e células T. 3 Isso, propôs o professor Kipnis, era para proteger o SNC de um patógeno que entrasse pelas meninges.

A relação entre sangue e vasos linfáticos pode ser retratada, disse Kipnis, como os canos que trazem água para sua casa, no primeiro caso e retiram o esgoto, no segundo caso. Nesse cenário, a vigilância imunológica realizada pelos linfonodos é semelhante a entrar no esgoto para investigar o que está nele.4 Até recentemente, acreditava-se que não havia sistema linfático no cérebro. No entanto, sabe-se agora que existem vasos linfáticos, contendo células imunes, em todas as meninges, principalmente na dura-máter.5-7 Elas drenam para os gânglios linfáticos cervicais profundos.8 Moléculas do líquido cefalorraquidiano (LCR) migram para os vasos linfáticos da dura-máter, são absorvidas por macrófagos residentes e, em seguida, são apresentadas às células T circulantes.8 Além disso, estudos revelaram o 'sistema glinfático‘ do cérebro, pelo qual o LCR pode viajar através do tecido, coletar resíduos dos pés terminais dos astrocíticos e chegar de volta ao LCR. Isso é impulsionado pela pulsação arterial cerebral.9

Células imunes de muitos tipos são encontradas distribuídas pelas meninges

O trabalho com camundongos unidos por parabiose sugere que, no sangue e órgãos periféricos, cerca de 30-40% das células T vêm do outro camundongo. No entanto, no exame de monócitos na dura-máter, apenas 10% vêm do camundongo conjugado. Isso levou à proposta de que a medula óssea do crânio forneceria monócitos à base da dura-máter. Modelos animais provaram isso para monócitos, bem como neutrófilos e células B, que estavam migrando através de canais durais.10,11 Em camundongos com uma lesão medular induzida, foi recentemente demonstrado que as células progenitoras da medula óssea do crânio respondem através de sinais transmitidos dentro do LCR.12 As ramificações deste trabalho, sugeriu o professor Kipnis, incluem que um tumor cerebral imunossupressor pode ser capaz de alterar as células progenitoras da medula óssea do crânio e a estrutura da medula óssea, limitando a capacidade das células imunes nativas de funcionar adequadamente.

Evidências apontam que os monócitos durais são menos inflamatórios do que as células periféricas.10 Em um trabalho apresentado aqui (Nature, In Press), realizado pelo colega do Prof. Kipnis, Dr. Antoine Drieu, macrófagos leptomeníngeos e perivasculares (chamados de ‘macrófagos da borda parenquimatosa’ [parenchymal border macrophages, PBMs]) foram examinados. Verificou-se que a maioria era fagocítica, com uma minoria sendo células apresentadoras de antígenos. No cérebro de camundongo envelhecido no estudo do Dr. Drieu, enquanto o número de células PBM não diminuiu, a razão entre PBMs fagocíticas e apresentadores de antígeno mudou com uma diminuição no primeiro e aumento no segundo (Drieu et al., Nature, In Press).

A expressão de macrófagos da borda parenquimatosa pode ser alterada por lesão, envelhecimento e doença de Alzheimer

A remoção desses PBMs, realizada pela introdução de um veneno absorvido por essas células, ou em camundongos transgênicos com menos PBMs, levou a uma passagem muito menor do LCR ao longo da artéria cerebral média e ao redor do cérebro. Também foi encontrado nestes camundongos comprometimento na dilatação dos vasos sanguíneos geralmente observada sob condições de 10% de C02 (Drieu et al., Nature, In Press). Como trabalhos anteriores mostraram que os macrófagos da vasculatura pulmonar ajudam a manter o tônus arterial,13 isso, postulou o professor Kipnis, pode ser semelhante no cérebro.

Trabalhos adicionais com este modelo mostraram que, em um modelo de camundongo da doença de Alzheimer, a remoção de células PBM aumentou a amiloidose. Para investigar as ramificações disso em pacientes, usando dados de sequenciamento de células únicas da Rede de Alzheimer Predominantemente Hereditário, o grupo descobriu que, de fato, havia diferenças de expressão em PBM entre controles saudáveis e pacientes com doença de Alzheimer familiar (Drieu et al., Nature, In Press).

 

 

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Referências

  1. Medawar PB. Br J Exp Pathol. 1948; 29: 58-69.
  2. Kipnis J. Sci Am. 2018; 319: 28-35.
  3. Mrdjen D, et al. Immunity. 2018; 48: 380-395.e386.
  4. Thomas SN, et al. Annu Rev Biomed Eng. 2016; 18: 207-233.
  5. Louveau A, et al. Nature. 2015; 523: 337-341.
  6. Aspelund A, et al. J Exp Med. 2015; 212: 991-999.
  7. Absinta M, et al. Elife. 2017; 6: e29738.
  8. Rustenhoven J, et al. Cell. 2021; 184: 1000-1016. e1027.
  9. Iliff JJ, et al. J Neurosci. 2013; 33: 18190-18199.
  10. Cugurra A, et al. Science. 2021; 373: eabf7844.
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  12. Mazzitelli JA, et al. Nat Neurosci. 2022; 25: 555-560.
  13. Lim HY, et al. 2018; 49: 1191.