O modelo de glutamato da psicose

Na Sessão Principal do 35º Congresso Europeu de Neuropsicofarmacologia(ECNP) em Viena, Áustria (15 a 18 de outubro), a professora Bita Moghaddam (Universidade de Saúde e Ciência de Oregon, Portland, Estados Unidos) discutiu como os modelos animais podem ser utilizados para ajudar na compreensão da patologia cerebral subjacente da esquizofrenia. O processamento cortical envolve a neurotransmissão de glutamato com a identificação do papel dos receptores metabotrópicos Glu2/3 na psicose, levando a ensaios de medicamentos direcionados para esse receptor. Enquanto os estudos iniciais não foram bem sucedidos em geral, um melhor êxito foi encontrado em pacientes com doença precoce. O papel dos subtipos ionotrópicos do receptor de glutamato N-metil-D-aspartato (NMDA) na esquizofrenia também é conhecido. Uma de suas subunidades, o GluN2A, que é expressa desde o início da vida, é proposta pela Profa. Moghaddam como estando envolvida com o desenvolvimento dos primeiros sintomas da esquizofrenia. No momento em que a expressão de GluN2A é eliminada em ratos durante o início da adolescência, seu laboratório tem mostrado déficits de comportamento associados a anormalidades da organização perceptiva. Como tal, este pode ser um modelo válido para utilização na investigação de possíveis terapias para pessoas com esquizofrenia.

O receptor de glutamato em pacientes com esquizofrenia

De acordo com a Profa. Moghaddam, há um impasse no tratamento da esquizofrenia, visto que ainda existe uma compreensão limitada da patologia subjacente. O uso de modelos animais é uma forma de auxiliar essa compreensão e testar hipóteses mecanicistas específicas. Tais modelos podem ser utilizados para construir um quadro inicial da etiologia, depois da fisiopatologia e, em seguida, dos sintomas específicos. No entanto, a modelagem da esquizofrenia em animais é complicada, uma vez que a dinâmica temporal da condição é difícil de replicar.1

Processamento cortical em pacientes com esquizofrenia está ligado à disfunção liderada por glutamato

O processamento cortical, dominado pela neurotransmissão liderada por glutamato, é disfuncional em pacientes com esquizofrenia.2,3 A sinapse de glutamato possui um grande número de alvos de medicamentos4 e estudos eletrofisiológicos no córtex pré-frontal do rato após a administração de fenciclidina (PCP), cetamina ou MK801 descobriram que eles levam a uma excitação profunda.5,6 Isso ajudou o laboratório da Profa. Moghaddam a identificar o receptor metabotrópico Glu2/3 (mGlu2/3) como alvo6 e levou a estudos clínicos de medicamentos ativadores do receptor mGlu2/3. Os resultados mostraram que o tratamento de quatro semanas levou a uma diminuição de 32% nas pontuações totais da Escala das Síndromes Positiva e Negativa (PANSS). Isso foi semelhante à diminuição de 40% com a olanzapina, porém o agonista de mGlu2/3 não foi associado a sintomas extrapiramidais, ganho de peso ou elevação da prolactina.7 Contudo, embora grandes estudos gerais de Fase III não tenham replicado os resultados, melhorias significativas foram mostradas em pacientes com doença precoce,8 o que significa, de acordo com a Profa. Moghaddam, que este pode ser o melhor momento para intervir com tal medicamento.

 

Fatores genéticos na esquizofrenia

Estudos também apontam para um papel dos subtipos de receptores ionotrópicos de N-metil-D-aspartato glutamato (NMDA).3,9 Estudos genômicos em larga escala mostram convergência de associações variantes comuns e raras relacionadas a um punhado de genes em pacientes com esquizofrenia.10,11 Por exemplo, o gene GRIN2A, que codifica uma subunidade do receptor NMDA chamada GluN2A, foi identificado como tendo um papel de risco moderado a substancial de doença, dependendo da variante.10,12 Embora haja pouca ou nenhuma expressão de GluN2A no nascimento, isso evolui ao longo dos primeiros dois anos de vida para níveis adultos.13 A Profa. Moghaddam propôs, portanto, que os sintomas de esquizofrenia relacionados à perda de função de GRIN2A não evoluiriam até o período de pré-adolescência/adolescência no momento em que os níveis adultos estão sendo atingidos. Ela apresentou um trabalho realizado em seu laboratório que mostrou que, em ratos, os níveis de GluN2A permaneceram estáveis durante o período de desenvolvimento do adolescente (a partir do Dia 21) no córtex pré-frontal medial, no hipocampo, no estriado dorsal e no núcleo accumbens (Kielhold et al, não-publicado).

Estudos genômicos mostraram uma série de genes relacionados à esquizofrenia

 

Modelagem de déficits na esquizofrenia em animais

Também é demonstrado na esquizofrenia o surgimento de anormalidades dopaminérgicas na adolescência, correlacionadas a sintomas positivos e psicose precoce.14,15 Os neurônios dopaminérgicos estão localizados na substância negra (SN) e na área tegmental ventral (ATV). O trabalho dos colegas da Profa. Moghaddam descobriu que, em contraste com as regiões discutidas acima, houve uma diminuição significativa de GluN2A no desenvolvimento nessas áreas em ratos (Kielhold et al, não-publicado). Isso pode explicar, ela postulou, por que os sintomas positivos da esquizofrenia relacionados à dopamina não surgem até o final da adolescência. Isso foi replicado em um rato knockout (KO) GRIN2A em que, durante o início da adolescência, o direcionamento de neurônios de dopamina ATV e SN utilizando vírus gerados por CRISPR conduzidos por Cre levou à diminuição da expressão e à perda da função de GluN2A. Neste modelo, nenhuma diferença comportamental grosseira foi encontrada na locomoção de linha de base e a aprendizagem associada guiada por recompensa simples não foi afetada (Kielhold et al, não-publicado); no entanto, outros comportamentos que podem representar anormalidades da organização perceptiva foram mostrados.

Os sintomas positivos da esquizofrenia relacionados à dopamina geralmente surgem no final da adolescência1

Na tarefa de proporção progressiva, um animal deve responder a um estímulo com uma ação, porém o número de vezes necessário para responder antes de obter uma recompensa aumenta progressivamente. Durante esta tarefa, os ratos do tipo selvagem (TS) exibem uma pausa pós-reforço, na qual param por períodos de tempo mais longos antes de obter sua recompensa à medida que a exigência da razão aumenta. Propõe-se que este seja um período em que o animal está avaliando se o esforço vale a recompensa. Os ratos KO possuem uma grande redução na pausa, o que a Profa. Moghaddam postulou ser devido à organização perceptual prejudicada (Kielhold et al, não-publicado). Isso poderia ser, disse ela, devido a uma menor influência do contexto, problemas em otimizar a alocação de esforço e/ou uma diminuição na capacidade de o comportamento ser influenciado por retorno negativo.

Em uma tarefa pavloviana, um tom estava ligado a uma recompensa e a luz a um choque. Uma vez que um rato tenha aprendido isso, as contingências são trocadas. Em ratos TS, quando um estímulo começa como aversivo e é mudado para recompensador, eles gradualmente buscam mais recompensas, todavia com hesitação em comparação com o momento em que o estímulo inicial é recompensador. Em ratos KO, enquanto eles aprendem a evitar o estímulo aversivo, assim que há alteração para recompensa, eles aprendem rapidamente a reagir a ele, sem a hesitação observada em ratos TS (Kielhold et al, não-publicado). Isso foi proposto pela Profa. Moghaddam devido a deficiências na capacidade de utilizar retorno ou representação mental para orientar o comportamento ou a inferência defeituosa e o acúmulo de evidências. Isso pode refletir constatações em pacientes com esquizofrenia.16

Atualmente, moduladores alostéricos positivos de receptores de NMDA contendo GluN2A estão sendo investigados.17 Caso esses tipos de medicações mostrem ser seguros para uso humano, a Prof. Moghaddam postulou que eles poderiam ser utilizados em modo animal para descobrir e rastrear tratamentos para sintomas positivos.

 

 

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