CGRP – novas perspectivas no tratamento da cefaleia

Três novas abordagens sobre o potencial para o peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP) foram apresentadas na Conferência Virtual da Federação Europeia de Cefaleia (European Headache Federation - EHF) deste ano, que podem influenciar o manejo não apenas da enxaqueca, mas também da cefaleia pós-traumática persistente e da cefaleia por uso excessivo de medicamentos.

CEM – causa ou efeito?

Embora a Classificação Internacional de Distúrbios de Cefaleia-3 (ICHD-3) tenha definições para Cefaleia por Uso Excessivo de Medicamentos (CEM), Richard Lipton, Bronx, NY, EUA, sugeriu que, em nível populacional, o uso excessivo de medicamentos agudos para cefaleia parece ser a causa da CEM. No entanto, em um nível individual, é difícil determinar se o uso excessivo de medicamentos é a causa ou o efeito desse tipo secundário de cefaleia. E muitas vezes é o médico que deve tentar provocar o efeito a partir da causa.

Com a CEM, muitas vezes é o médico que deve tentar provocar o efeito a partir da causa.

Recentemente, no estudo Chronic Migraine Epidemiology and Outcomes (Epidemiologia e Desfechos Clínicos da Enxaqueca Crônica – CaMEO), no qual 16.789 pessoas com enxaqueca episódica e crônica foram inscritas, 17,7% preencheram os critérios para uso excessivo de medicamentos (UEM).Destes, aproximadamente um terço apresentava CEM.

A comparação de participantes com UEM (aqueles que apresentam comportamento de tomar mais do que as doses recomendadas de terapias agudas para cefaleia) com aqueles que não experienciaram UEM produziu interessantes descobertas. Aqueles que fizeram UEM tinham aproximadamente o dobro de probabilidade de apresentarem incapacitação (pontuação na Escala de Avaliação de Incapacitação por Enxaqueca - Migraine Disability Assessment) e fardo interictal (Sintoma Mais Incômodo - Most Bothersome Symptom). Esses pacientes também eram geralmente mais velhos, com maior probabilidade de serem mulheres e obesos, tinham cefaleia mais dias ao mês, maior alodinia, menor grau de instrução e renda, e taxas de desemprego mais altas.

No estudo CaMEO, 17,7% dos inscritos fizeram uso excessivo de medicamento; um terço deles apresentava CEM

O Dr. Lipton então colocou a questão: os anticorpos monoclonais (MAbs) direcionados aos CGRPs tratam a CEM? Ele afirmou que os MAbs demonstraram reduzir o uso de medicamentos para enxaqueca aguda na enxaqueca episódica.2 Pode haver um papel importante para esses agentes no tratamento da CEM?

Um possível papel para os CGRPs na CPT

A cefaleia pós-traumática (CPT) é uma cefaleia de segundo grau altamente prevalente e incapacitante, e sabe-se relativamente pouco acerca das suas bases biológicas. No entanto, modelos pré-clínicos em roedores com concussão demonstraram um papel para os CGRPs na CPT.

Em sua breve apresentação, Hakan Ashina, Rigshopsitalet, Glostrup, Dinamarca, explicou como a administração de CGRP para pacientes com CPT persistente que participaram de um estudo clínico pequeno, randomizado, controlado por placebo, levou 70% dos pacientes a desenvolverem exacerbação de cefaleia com características semelhantes à enxaqueca. Embora houvesse apenas 15 pacientes em cada braço de tratamento, o resultado do estudo foi estatisticamente significativo (p <0,001), o que, conforme sugeriu o Dr. Ashina, sustenta um papel para o CGRP na patogênese da CPT em humanos.

Ao se administrar CGRP, 70% dos pacientes com CPT persistente desenvolveram exacerbação da cefaleia com características semelhantes à enxaqueca

DAC e cefaleia com e sem aura

Rami Burstein, Harvard Medical School, Boston, EUA, fez uma apresentação com belas ilustrações sobre como fazer a ponte entre a depressão alastrante cortical (DAC) – uma onda sincronizada de despolarização neuronal da qual acredita-se ser a base da aura da enxaqueca - e da cefaleia.

Ferramentas de imagem foram utilizadas de modo a permitir visualizações ao vivo, em alta resolução, das mudanças espaço-temporais que ocorrem nos vasos sanguíneos da pia-máter e da dura-máter em modelos animais. Dessa forma, a sequência de eventos que acontecem entre a ocorrência da aura e a ativação dos nociceptores pode ser verificada.3-6

A cadeia temporal de eventos é:

  1. Dilatação rápida e constrição prolongada das artérias piais
  2. Fechamento rápido do espaço perivascular em torno das artérias e das veias piais
  3. Ativação imediata de macrófagos piais
  4. Dilatação prolongada das artérias durais
  5. Extravasamento de proteína plasmática (EPP)
  6. Ativação de células dendríticas piais e durais
  7. Ativação de macrófagos durais
  8. Ativação de nociceptores meníngeos e neurônios trigeminovasculares de ampla faixa dinâmica (fibras tipo C)
  9. Ativação do nociceptor meníngeo Aδ e do neurônio trigeminovascular de alto limiar.

Início simultâneo de enxaqueca e da aura – novo mecanismo de ação?

Início simultâneo de cefaleia e de aura: ocorre graças à liberação precoce de CGRP no início da cadeia de eventos?

Dentre tudo isso, onde a CGRP aparece como um agente da neuropatologia da enxaqueca? Na enxaqueca com aura, a DAC promove a liberação de CGRP nos vasos meníngeos, causando ativação periférica das aferências nociceptivas (entre as etapas 8 e 9 na cadeia temporal de eventos).7,8 Dada a localização periférica dos nervos trigêmeos, isso pode explicar como os anticorpos anti-CGRP, que não cruzam a barreira hematoencefálica, provocam seu efeito. Nos indivíduos que experimentam o início da cefaleia e da aura simultaneamente, o professor Burstein propõe uma conexão neural que desencadeia a ativação da fibra tipo C e a liberação precoce de CGRP imediatamente após a etapa 1 na cadeia de eventos.

Uma possibilidade intrigante. Por outro lado, pode ser simplesmente que a patologia das diversas formas de enxaqueca tenha um mecanismo de ação alternativo. Esperamos para descobrir.

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Referências

  1. Schwedt et al. 2020. In review.
  2. Tepper et al. Headache 2019; 59 (S1):162-163
  3. Zheng et al. J Neuroscience 2010;30:8807-8814
  4. Schain et al. J Neuroscience 2017;7:2904-2915
  5. Schain et al. Ann Neurol 2018;83:508-21
  6. Schain et al. J Neuroscience 2019;39:6001-6011
  7. Burstein et al. J Neurosci 2015; 35:6619-6629
  8. Tepper & Spears. Neurol Clin 2009;27;417-427