A Inteligência Artificial na Psiquiatria

 

O uso da Inteligência Artificial (IA) na Medicina é um tópico de interesse crescente. A discussão do seu impacto na Psiquiatria tem sido tão frequente que a XXV Jornada de Psiquiatria da Aperj (Associação Psiquiátrica do Rio de Janeiro), realizada nos dias 4 e 5 de agosto, trouxe como tema "A Psiquiatria nos Tempos de Inteligência Artificial."

Para trazer mais conhecimento sobre o assunto, conversamos com o psiquiatra e pesquisador Prof. Dr. Ives Cavalcante Passos, que é professor da Faculdade de Medicina na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com relevantes publicações e pesquisas sobre o desenvolvimento e uso da IA no campo da Psiquiatria.

 

  • Dr. Ives, o que já é uma realidade e já se transformou com o uso de plataformas de IA no cenário de tratamento de saúde mental?

Os algoritmos de machine learning são oriundos do campo da inteligência artificial. Eles têm a capacidade de analisar grandes volumes de dados e identificar associações não lineares para ajudar na tomada de decisão.

Brevemente, um algoritmo de machine learning é criado através da análise inicial de um conjunto de dados de "treinamento" para estabelecer um modelo capaz de distinguir indivíduos com relação a um determinado desfecho clínico. Quando essa etapa é concluída, o modelo pode ser aplicado a um novo conjunto de dados. Assim, a precisão da predição do método pode ser avaliada neste novo cenário. Através do uso desses modelos é possível desenvolver calculadoras que estratificam o risco de um determinado indivíduo desenvolver uma doença, ter um prognóstico desfavorável ou responder ao tratamento com uma determinada medicação.

No campo dos transtornos de humor, vários modelos de predição de risco estão sendo desenvolvidos. Há modelos para prever quem irá desenvolver transtorno bipolar, para prever tentativas de suicídio ou quem irá ter prejuízo cognitivo.

A ideia é que esses modelos irão ajudar na identificação e intervenção precoce, permitindo o estabelecimento de estratégias preventivas personalizadas.

Além disso, inúmeros modelos têm sido criados com o objetivo de prever resposta ao tratamento. Tais modelos podem ser exibidos como calculadoras para selecionar tratamento. Por exemplo, no caso em que a calculadora prevê que é improvável que um determinado paciente responda a uma intervenção, o médico pode considerar alternativas. Assim, os pacientes se beneficiaram de planos de tratamento mais precisos, evitando períodos prolongados de “tentativa e erro” em busca do tratamento correto.

Na saúde mental, alguns estudos têm proposto calculadoras de resposta ao tratamento para várias intervenções, incluindo antidepressivos, antipsicóticos e psicoterapia.

Embora existam diversos estudos na literatura científica, ainda é necessário mais validação para que possamos usar esses algoritmos na prática diária do nosso consultório.

 

  • Existem preocupações quanto à implementação e forma de uso destas tecnologias, sobretudo em relação a questões éticas e distanciamento da relação médico-paciente. Qual sua percepção sobre este tópico?

 

Sim, existem preocupações éticas relacionadas ao "potencial paciente". Se alguém, por exemplo, recebe uma predição de que irá tentar suicídio nos próximos 3 anos, qual será o impacto na vida social e laboral dessa pessoa? E se essa informação vazar para familiares e colegas do trabalho, qual será o impacto na vida do indivíduo que receber essa predição? Além disso, barreiras ligadas à privacidade e à segurança dos dados ainda devem ser desenvolvidas. A Lei Geral de Proteção dos Dados (LGPD) representa um avanço nesse sentido.

Não encaro o distanciamento da relação médico-paciente como sendo uma barreira visto que esses modelos não se propõem a substituir o psiquiatra e sim auxiliar na tomada de decisões complexas, assim como o escore de Framingham auxilia os cardiologistas.

 

  • Você avalia a IA como um potencial aliada no tratamento da depressão?

 

Sim, ela tem o potencial de auxiliar na tomada de decisão clínica nos seguintes aspectos: 1) previsão de desfechos clínicos, como tentativa de suicídio ou deterioração cognitivo; 2) seleção de tratamentos; 3) previsão de quem desenvolverá depressão; 4) diferencia depressão unipolar de depressão bipolar.

 

 

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