A Dinamarca foi considerada o segundo país mais feliz do mundo em 2022. Entrevistamos a Embaixadora da Dinamarca no Brasil para conhecermos melhor a cultura do país e como lidam com a saúde mental de sua população.
A Excelentíssima Embaixadora da Dinamarca no Brasil, Eva Pedersen, nos concedeu uma entrevista para conhecermos mais sobre a abordagem dinamarquesa à saúde mental e quais projetos existem em parceria com o Brasil na área da saúde. Veja abaixo!
Se preferir, clique aqui para ouvir a entrevista no LundCast, disponível no Spotify!
A Dinamarca está no topo do ranking de países mais felizes do mundo há vários anos, e em 2022 ficou em 2º lugar. Quais fatores acha que podem ser atribuídos a esses resultados tão consistentes – por que o povo dinamarquês é “tão feliz”?
Eva Pedersen: É verdade que a Dinamarca, assim como outros países nórdicos, está ranqueada há muitos anos entre um dos mais felizes do mundo. Não acredito que haja fórmula mágica para isso, mas tenho o palpite que o estado de bem-estar social da Dinamarca contribua bastante. Ele garante que todos tenham uma vida minimamente confortável e segura, o que certamente contribui e cria uma base para as pessoas serem felizes.
No entanto, é importante notar que mesmo sendo um país feliz, a Dinamarca também enfrenta muitos desafios. Cerca de 8% da população do país sofre de depressão e estima-se que 25% dos contatos com um clínico geral são relacionados à saúde mental. Além disso, 15% de todas as crianças em idade escolar foram tratadas por problemas de saúde mental.
Portanto, precisamos continuar trabalhando para endereçar os diferentes problemas de saúde e sociais de modo a tornar os nossos cidadãos ainda mais felizes.
De fato, os transtornos mentais são uma realidade na Dinamarca, assim como em qualquer outro lugar do mundo. Como o país lida com a saúde mental de maneira geral? Há muito estigma?
Eva Pedersen: As doenças mentais ainda são pouco reconhecidas globalmente. São doenças com pouca visibilidade e estigmatizadas de maneira geral. Ainda é um tabu falar sobre saúde mental e essa realidade não é diferente na Dinamarca, apesar de verificarmos melhoras em relação a isso. A Dinamarca desenvolveu uma política pública para saúde mental focada na redução do estigma, em associação ao diagnóstico precoce e prevenção do suicídio.
É reconhecida na Dinamarca a necessidade de se falar abertamente sobre o assunto para que as pessoas que sofrem com essas doenças se sintam acolhidas e possam procurar o suporte necessário. O Dia Mundial da Saúde Mental é um dos exemplos de ação que nos auxilia e enfrentar esse estigma. Outro ponto importante da conscientização é ficarmos atentos aos sinais dessas doenças e darmos a mesma importância e foco no tratamento que se dá aos problemas de saúde físicos.
Como eu disse, os números relacionados a problemas de saúde mental na Dinamarca têm crescido. No entanto, acredito que os mesmos podem refletir parcialmente um aumento na transparência e no diagnóstico precoce, que levam a menos casos não relatados e está diretamente associado à diminuição do estigma.
O governo dinamarquês estabeleceu uma campanha nacional contra o estigma, a ONE OF US (um de nós) com foco especial na saúde mental.
Desde 2021, essa iniciativa foi incorporada à Autoridade de Saúde Dinamarquesa, tornando-a o primeiro esforço contra o estigma no mundo a fazer parte de um serviço nacional de saúde.
A visão da ONE OF US é melhorar a vida de todos, promovendo a inclusão e combatendo a discriminação relacionada à saúde mental na Dinamarca. Isso é feito aumentando o conhecimento geral sobre a vida das pessoas com doenças mentais e diminuindo a distância, que provoca o preconceito e a exclusão social. Os embaixadores da campanha compartilham sua experiência pessoal com doenças mentais em vários ambientes, criando assim a identificação e quebrando o preconceito.
Existem outras políticas específicas para a saúde mental na Dinamarca? Quais são os pilares das iniciativas em saúde mental no país, e há planos para o futuro?
Eva Pedersen: Na Dinamarca, o tratamento psiquiátrico é primeiramente uma função pública, administrada pelas autoridades regionais. A abordagem é holística e envolve não apenas a pessoa, mas também a família, a vida no trabalho e o ambiente à sua volta.
O tratamento varia de terapia conversacional, terapia cognitivo-comportamental on-line e o diálogo entre pares. Para os casos mais graves, há a administração de medicamentos por períodos de duração diversos. A combinação dessas abordagens é usada com frequência e a maioria dos tratamentos é ambulatorial. Uma abordagem individualizada e a possibilidade de recuperação são os pontos de partida de todo tratamento, que deve, quando possível, ser oferecido no ambiente local, de modo a facilitar o acesso do paciente e preservar a qualidade de vida.
Em setembro de 2022 o Governo da Dinamarca publicou o Plano para Cuidados Psiquiátrico para os próximos 10 anos.
Os focos do plano incluem:
- Prevenção do desenvolvimento de transtornos de saúde mental;
- Maior integração e coerência entre os diferentes serviços na atenção primária e secundária, e assistência social;
- Ações específicas para crianças e adolescentes;
- Planos para cidadãos com condições de saúde mental associada ao uso de álcool e/ou drogas;
- Prevenção de suicídio;
- Expansão da pesquisa e desenvolvimento professional na área;
- Reavaliação de crimes em associação com problemas de saúde mental;
- Expansão do suporte a familiares;
- Expansão de ferramentas digitais de suporte, auxílio e tratamento;
- Minimização do uso da força;
- Ações focadas em desestigmatização e diagnóstico precoce.
Tais recomendações estão sendo avaliadas pelo governo para dar segmento à implementação.
Uma das funções da embaixada é mediar negociações entre os governos dos países e promover o desenvolvimento de relações econômicas, culturais e científicas. Há colaborações entre Dinamarca e Brasil na área da saúde?
Tanto o Brasil como a Dinamarca possuem sistemas universais de saúde, financiados por impostos e disponíveis a toda a população, igualitariamente. Sendo assim, muitos dos nossos desafios são similares.
Uma das áreas em que estamos colaborando com o Brasil é a gestão de dados e digitalização dos serviços de saúde.
A digitalização é um pilar da saúde dinamarquesa, com a tecnologia possibilitando novas formas de prevenção e tratamento de distúrbios de saúde mental e outros. A Dinamarca também é conhecida como uma nação de dados robustos, com os dados eletrônicos de saúde remontando a mais de 40 anos. O sistema de previdência social da Dinamarca (sistema único de identificação de pacientes chamado CPR) possibilita a combinação de dados específicos de pacientes com dados contidos em um amplo banco de dados com 5,8 milhões de dinamarqueses.
Nesse contexto, desde 2016, a Dinamarca desenvolve um projeto de cooperação estratégica no setor de Saúde com o Brasil. Já em sua segunda fase de execução, o projeto possuí dois objetivos: o primeiro é focado em auxiliar no desenvolvimento de um sistema brasileiro de uso de dados que facilite a transformação digital do setor de saúde público.
Uma segunda parte do programa é focada na troca de conhecimentos na regulação de produtos farmacêuticos e dispositivos médicos, em parceria com a ANVISA.
Qual a sua percepção, como embaixadora, acerca da presença e atuação de empresas de origem dinamarquesas no Brasil? Como a cultura dinamarquesa está presente nessas empresas?
Acredito que as empresas dinamarquesas, em especial as empresas da área da saúde, como a Lundbeck, incorporam muito dos valores e o DNA dinamarquês. A Dinamarca é um país pequeno, que se desenvolveu com um foco na criatividade, na pesquisa e desenvolvimento, na ciência e na educação. Esses bens “intangíveis” são o principal capital da Dinamarca e são essenciais na área da saúde, de modo a desenvolver soluções inovadoras que enderecem os problemas da população. Isso é especialmente essencial em uma área como a saúde mental, em que a Lundbeck tem sido líder no Brasil, sempre pautando a importância do assunto além de desenvolver soluções inovadoras.
Além disso, vejo que muitas das empresas dinamarquesas no Brasil são muito focadas na sustentabilidade – desde a produção ao gerenciamento de pessoas e recursos - outra área essencial para a Dinamarca em termos de cooperação com o Brasil.