Estilo de vida, intestino e saúde mental

Intervenções para reduzir o risco de doença cardiovascular e síndrome metabólica, correção da deficiência de vitamina B12 e  folato e direcionamento da microbiota intestinal e seus genes associados para melhorar os resultados de saúde mental foram temas discutidos na EPA 2019. O futuro papel dos psicobióticos e os efeitos de diferentes medicações antipsicóticas nos micróbios intestinais também foram destacados.

A expectativa de vida dos pacientes com psicose é reduzida de 10 a 15%,1 disse o professor Peter Falkai, da Universidade de Munique, Alemanha, e a síndrome metabólica e as doenças cardiovasculares são as causas mais comuns desta mortalidade prematura.

Doença mental grave diminui expectativa de vida

As diretrizes recomendam a mudança para outro medicamento antipsicótico para compensar o ganho de peso substancial, observou o professor Falkai, porém esta mudança pode, na prática, não ser fácil. Algumas propostas alternativas de intervenções psicossociais, como perda de peso e programas de atividade física, podem levar à perda de peso e melhorar os níveis glicêmicos em jejum; .2

O treinamento do estilo de vida não melhorou o risco de doença cardiovascular em 10 anos

Um recente estudo randomizado de grande escala para avaliar o efeito a longo prazo de 12 meses de treinamento de estilo de vida de intensidade variável em pacientes com obesidade abdominal e transtornos do espectro da esquizofrenia, no entanto, não mostrou benefício sobre o risco de doença cardiovascular de 10 anos em comparação com os controles.3O treinamento de estilo de vida incluía  facilitar parar de fumar, aumentar a atividade física, melhorar os hábitos alimentares saudáveis e monitorar e tratar os fatores de risco, como hipertensão, diabetes e dislipidemia.

O professor Falkai concluiu que a simples associação de conselhos comportamentais para mudar o estilo de vida pode não ser suficiente para melhorar os resultados a longo prazo, porém destacou a importância de controlar o risco metabólico por meio do tratamento da síndrome metabólica, bem como da verificação dos níveis de vitamina B12 e de folato e do tratamento de qualquer deficiência.

Os micróbios intestinais desempenham um papel crucial no desenvolvimento do cérebro

O professor Ted Dinan, do Departamento de Psiquiatria e do Instituto APCI Microbiome, em Cork, Irlanda, enfatizou a importância da microbiota intestinal e de seu DNA variado para a saúde mental. Nós desenvolvemos conjuntamente e alimentamos os micróbios e, em troca, eles produzem moléculas exigidas por nossos cérebros e outros órgãos, ele explicou.

As rotas de comunicação entre a microbiota intestinal e o cérebro são:

• o nervo vago, que é uma rota bidirecional; a vagotomia impede que certos micróbios se comuniquem com o cérebro

• ácidos graxos de cadeia curta (AGCCs), como butirato e proprionato, que são produzidos por micróbios quando metabolizam certas fibras — os AGCCs são transportados no sangue e atuam através de receptores acoplados à proteína G clássica no cérebro e também como moduladores epigenéticos.

Uma microbiota intestinal diversa parece influenciar positivamente a saúde mental

O professor Dinan acrescentou que, nos últimos 10 anos, tornou-se claro que os micróbios do intestino sintetizam o triptofano, o bloco de construção da serotonina, e os animais alimentados com bifidobactérias aumentaram os níveis de triptofano no sangue.

A dieta é o principal determinante da microbiota intestinal

O papel crucial da microbiota intestinal no desenvolvimento do cérebro foi demonstrado em animais livres de germes (animais sem microbiota intestinal), onde as células-tronco do cérebro e do hipocampo não se desenvolvem normalmente, disse o professor Dinan. Além disto, alguns micróbios são capazes de produzir a maioria dos neurotransmissores cerebrais importantes e influenciam a atividade do sistema nervoso entérico e do intestino.

Células-tronco do cérebro e hipocampo não se desenvolvem normalmente em animais sem microbiota intestinal

A consistência da microbiota é determinada no nascimento: os bebês nascidos por cesariana e por parto normal adquirem uma microbiota diferente, como resultado de sua exposição imediata aos micróbios. A partis disto, uma diversidade saudável da microbiota intestinal é positivamente influenciada pela amamentação e pelas fibras na dieta e negativamente afetada pela exposição a antibióticos e alimentos processados não saudáveis.4 Como adultos, o principal determinante da microbiota intestinal é a dieta.

Diminuição da diversidade na microbiota intestinal durante a depressão

Como é a microbiota em um paciente com depressão? perguntou o professor Dinan. A microbiota intestinal pode desempenhar um papel causal no desenvolvimento de características da depressão e pode fornecer um alvo tratável no seu tratamento e prevenção.

O professor Dinan descreveu um estudo de controles pareados por sexo e idade que demonstrou uma microbiota intestinal muito diferente, com diminuição da diversidade em indivíduos com depressão. O transplante de microbiota fecal (TMF) subsequente de pacientes deprimidos em ratos foi associado à mudança de comportamento (anedonia e comportamento semelhante à ansiedade), às alterações no metabolismo do triptofano e ao aumento da proteína C-reativa de fase aguda nos ratos. Nenhuma mudança no comportamento foi observada em ratos que se submeteram ao TMF de pacientes de controle.5

Estratégias para aumentar a diversidade e os genes da microbiota intestinal

Não podemos mudar os genes em nosso corpo, mas podemos mudar os genes de nossa microbiota alterando nossa dieta

Não podemos mudar os genes em nosso corpo, mas podemos mudar os genes de nossa microbiota alterando nossa dieta, disse o professor Dinan. E as principais maneiras de fazer isto são através de bioterápicos vivos (anteriormente conhecidos como probióticos), prebióticos, TMF e dieta.

Os psicobióticos são organismos vivos que produzem benefícios para a saúde de pacientes com doenças psiquiátricas, quando ingeridos em quantidade adequada,6 explicou o professor Dinan, que descreveu este conceito com seus colegas em 2013.

Por exemplo, descobriu-se que o Bifidobacterium longum tem profunda atividade anti-ansiedade7 e parece melhorar a capacidade cognitiva em camundongos8 e reduz as respostas ao estresse e melhora a memória associada à atividade alterada de EEG em voluntários saudáveis,9 disse o professor Dinan.

Os antipsicóticos têm diferentes efeitos sobre a microbiota intestinal

Os psicobióticos são organismos vivos que produzem benefícios para a saúde de pacientes com doenças psiquiátricas

Alguns tratamentos com medicação antipsicótica podem resultar em ganho de peso substancial. Sabe-se agora que estes antipsicóticos alteram a microbiota intestinal nos animais, resultando em uma diminuição nos bacteroidetes e aumento de firmicutes, explicou o professor Dinan, e isto também ocorre em humanos.

Além disto, recentemente foi demonstrado que, enquanto alguns antipsicóticos tinham atividade antimicrobiana na microbiota intestinal, outros aumentaram sua diversidade e riqueza10 acrescentou ele. Tais descobertas prometem fornecem novos conhecimentos sobre os mecanismos de ação e os efeitos adversos associados aos diferentes antipsicóticos.

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Referências

  1. Chang C, et al. PLoS One 2011;6:e19590.
  2. Green C, et al. Am J Psych 2015;172:71–81.
  3. Storch Jakobsen A, et al. PLoS One 2017; https://doi.org/10.1371/journalpone.0185881
  4. Jacka F, et al. Aust NZ J Psych 2010;44:435–42.
  5. Kelly JR, et al. J Psychiatr Res. 2016 Nov;82:109-18
  6. Dinan T, et al. Biol Psych 2013;74:720–6.
  7. Savignac H, et al. Neurogastroenterol Motil 2014;26:1615–27.
  8. Savignac H, et al. Behav Brain Res 2015;287:59–72.
  9. Allen A, et al. Transl Psych 2016;6:e939.
  10. Cussotto S, et al. Psychopharmacol 2018; doi: 10.1007/s0021301850065.