Seria a manipulação da microbiota uma nova terapia para doenças psiquiátricas?

Hipócrates declarou: “Que seu remédio seja seu alimento, e que seu alimento seja seu remédio”, e as terapias moduladoras do microbioma e dieta são uma possibilidade atrativa. Há uma crescente conscientização da possível importância da microbiota intestinal na função cerebral e no bem-estar psicológico1. Consequentemente, a disbiose poderia afetar a saúde mental, o desenvolvimento e a progressão de distúrbios neuropsiquiátricos1. John Cryan (APC Microbiome Ireland) discutiu as últimas evidências em uma sessão do ECNP (Congresso Europeu de Neuropsicofarmacologia) Virtual de 2020.

O eixo intestino-cérebro (EIC)

O EIC descreve a complexa relação bidirecional entre o microbioma intestinal, o epitélio intestinal e o sistema nervoso central, cada um influenciando a condição e a funcionalidade do outro1. Os mecanismos teoricamente envolvidos podem incluir mediadores imunológicos e inflamatórios, liberação de neurotransmissores e neuropeptídeos e subprodutos microbianos.

O eixo intestino-cérebro pode influenciar comportamentos, cognição e emoções?

Os efeitos potenciais do EIC na fisiologia e na fisiopatologia incluem influenciar comportamentos, cognição e emoções e, portanto, há uminteresse atual em estudar estratégias de manipulação do microbioma intestinal para fins terapêuticos 2. Vários fatores podem infuenciar o microbioma intestinal de um indivíduo, como variáveis genéticas e dieta, dentre outros. Os probióticos são alimentos ou suplementos que contêm microbiota viva.

 

Microbiota intestinal na psiquiatria

Acredita-se que a microbiota intestinal possa ter um papel relevante em uma ampla gama de distúrbios psiquiátricos, incluindo depressão, transtornos de ansiedade e esquizofrenia – mas isso ainda não está comprovado. A diminuição na variedade damicrobiota fecal foi observada em um modelo de depressão em ratos com amostras de fezes depacientes com depressão3. Os ratos normais receberam uma microbiota humanizada de pacientes deprimidos, após o que eles desenvolveram um fenótipo depressivo 3.

A microbiota intestinal pode ter um papel em uma ampla gama de transtornos psiquiátricos, incluindo depressão, transtornos de ansiedade e esquizofrenia.

Alterações na diversidade e na complexidade da microbiota, em comparação com controles saudáveis, também foram evidenciadas em esquizofrenia, autismo, transtorno de déficit de atenção e transtornos de humor, incluindo transtorno bipolar e transtornos de ansiedade1. Ainda está para ser determinado se essas mudanças são causais ou uma resposta apropriada ao estado da doença.

 

Manipular a microbiota intestinal para tratar condições psiquiátricas?

Há meta-análises que avaliaram a utilização de probióticos para melhorar o humor em pacientes com sintomas depressivos com achados interessantes, apesar da conclusão, hoje, ser de que são necessários mais estudos na área para uma comprovação de efeito 2,5. Uma análise sistemática de três estudos clínicos randomizados (ECRs) não encontrou diferença significativa nos sintomas de esquizofrenia entre os grupos probiótico e de placebo 4. No transtorno bipolar, dois ensaios clínicos demonstraram um potencial efeito benéfico dos probióticos adjuvantes, porém os estudos de intervenção foram principalmente inconclusivos2. Há estudos que examinaram principalmente o efeito dos probióticos nos sintomas de ansiedade em outras condições psiquiátricas2  e um pequeno ECR em pacientes com transtorno de ansiedade que mostrou resultados encorajadores, apesar de ainda insuficientes para comprovação de efeito6.

Estudos preliminares indicam que os probióticos podem ser um potencial tratamento adjuvante para algumas condições psiquiátricas.

Análises sistêmicas do uso de probióticos em várias condições psiquiátricas concluíram que a maioria dos estudos possui, até o momento, amostras pequenas, curtas durações de estudo e são heterogêneos em cepas de microbiota, combinações e doses utilizadas e gravidade da doença 2,4,5,. São necessários estudos maiores  e mais bem estruturados para elucidar se a suposta eficácia poderia ser replicada em populações maiores, bem como os efeitos mantidos por períodos mais longos e após a interrupção do tratamento 5.

 

Interação entre medicamentos e o microbioma intestinal

A farmacomicrobiômica é um campo emergente, que investiga interações entre medicamentos e o microbioma intestinal 1. Benzodiazepínicos, antidepressivos e antipsicóticos parecem afetar a atividade da microbiota, com potenciais efeitos neurais. Por outro lado, os antibióticos poderiam reduzir os eventos adversos de medicamentos, como antipsicóticos.

 

Terapias futuras

Cada indivíduo possui uma composição de microbiota única: isso permitirá tratamentos terapêuticos personalizados no futuro?

Dados preliminares de estudos com probióticos em humanos indicam que a manipulação da microbiota é um tratamento potencial, ou uma terapia adjuvante, para uma série de condições psiquiátricas, porém mais estudos são necessários.  Alterações na dieta também podem ser importantes, visto que a dieta “mediterrânea” parece estar associada a taxas mais baixas de depressão e efeitos potencialmente benéficos na microbiota intestinal.

O transplante de microbiota fecal parece ser outra terapia possível para a manipulação da microbiota, que tem sido utilizado com sucesso na infecção recorrente por Clostridioides difficle. Existem riscos potenciais, como a transferência de doenças infecciosas e o desenvolvimento de doenças crônicas 7, bem como não está claro se as alterações da microbiota intestinal são mantidas a longo prazo8.

Cada indivíduo possui uma composição de microbiota única: isso permitirá tratamentos terapêuticos personalizados no futuro? Vamos acompanhar a evolução das evidências.

 

 

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Our correspondent’s highlights from the symposium are meant as a fair representation of the scientific content presented. The views and opinions expressed on this page do not necessarily reflect those of Lundbeck.

Referências

  1. Rea K, et al. Neuropsychobiology 2020;79:50-62.
  2. Mörkl S, et al. Curr Nutr Rep 2020;9:171-82.
  3. Dinan TG, Cryan JF. World Psychiatry 2020;19:111-2.
  4. Ng QX, et al. Neuropsychobiology 2019;78:1-6.
  5. Noonan S, et al. BMJ Nutrition, Prevention & Health 2020;bmjnph-2019-000053.
  6. Eskandarzadeh S, et al. Nutr Neurosci 2019:1-7.
  7. Sharma A, et al. Clin Pharmacol Ther 2020;107:123-8.
  8. Seekatz AM, et al. MBio 2014;5:e00893-14.