Medicina de precisão no tratamento psiquiátrico

A medicina de precisão é essencial para a otimização do atendimento individualizado de pacientes, bem como para o uso eficiente de ensaios para desenvolver novos tratamentos muito necessários na psiquiatria, disse o professor Arango (Hospital Universitário Gregorio Marañón, Madri, Espanha) durante uma palestra de “o Estado da Arte” no Congresso Europeu de Psiquiatria da Associação Europeia de Psiquiatria (EPA) 2020.

Para muitas doenças, principalmente o câncer, o desenvolvimento de medicamentos tem sido liderado pela compreensão de mutações genéticas e fisiopatologia, porém na psiquiatria isso tende a ser alcançado através da observação clínica.

Dito isto, o valor da observação clínica não deve ser subestimado como ponto de partida. Afinal, o projeto Research Domain Criteria (RDoC), traduzido para o português como Critérios de Domínio de Pesquisa, surge da ideia de que os sintomas que ultrapassam os limites diagnósticos – como a disfunção cognitiva comum à depressão maior e à esquizofrenia – compartilham distúrbios dos circuitos neurais, que refletem anormalidades celulares, moleculares e genéticas.1

Melhorando a caracterização de populações para ensaios clínicos

Baixos níveis de glutationa predizem perda cortical

Existem áreas da psiquiatria nas quais a compreensão dos mecanismos etiológicos está sendo utilizada para a melhor caracterização de populações para ensaios clínicos. Um exemplo, relacionado ao possível papel do estresse oxidativo no desenvolvimento da esquizofrenia, é a glutationa, onde baixos níveis parecem predizer perda de volume cortical em pessoas vulneráveis à psicose de início precoce.2

Uma melhor definição do alvo na população de um ensaio é benéfico; porém, uma vez que a resposta individual ao tratamento é dinâmica, precisamos medir fatores relevantes para a resposta não apenas no início, mas também durante o curso do tratamento.3

Em segundo lugar, precisamos de ensaios que permitam tratamento adaptativo, para que os pacientes que não respondem possam ser randomizados novamente para um tratamento complementar ou alternativo.

Dados em tempo real não são sujeitos a recordações enviesadas

Aquisição de dados em tempo real por monitoramento passivo impõe problemas de integração

Em terceiro lugar, para prever e medir resultados, precisamos de medições mais precisas, que agora podem ser alcançadas pelo monitoramento de comportamento de alta intensidade, em tempo real, por meio de dispositivos vestíveis (wearables) – em vez de medidas de recordação de episódios, como a PANSS (Positive and Negative Syndrome Scale - Escala de Síndrome Positiva e Negativa), que estão sujeitas a viés e imprecisão não intencionais. Isso impõe problemas de integração de grandes quantidades de dados de diversas fontes; porém, para essa tarefa, o machine learning está vindo em nosso auxílio.

Aqueles que buscam a medicina de precisão depositam muita fé na genética. Mas não devemos valorizar demais o seu potencial, advertiu o professor Arango.

Sendo o risco de esquizofrenia, ao longo da vida, aproximadamente 1%,4 uma pontuação de risco genético que confere um aumento de vinte vezes significa que um indivíduo ainda possui 80% de chance de não desenvolver o distúrbio.

Os avanços pragmáticos precedem o entendimento completo

Em outro exemplo extraído da esquizofrenia, houve interesse na presença da síndrome de deleção genética 22q11, que identifica um grupo relativamente homogêneo de pacientes com etiologia compartilhada. Contudo, apenas 0,3% das pessoas com esquizofrenia têm essa exclusão.5

Por outro lado, não há razão para ser pessimista demais. Levou vinte anos para percebermos plenamente os benefícios da terapia alvo para HER2 em mulheres cujos tumores da mama superexpressam o fator de crescimento. Em geral, os avanços podem ser alcançados de maneira pragmática, antes que os mecanismos subjacentes sejam totalmente compreendidos.

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Referências

  1. Insel T, et al. American J Psychiatry 2010;167:748–751
  2. Fraguas D, et al. Schizophr Res 2012;137:58-65
  3. Lenze EJ, et al. JAMA Psychiatry 2020; March 25
  4. McGrath J, et al. Epidemiol Rev 2008;30:67-76  
  5. Fraguas D, et al. Psychol Med 2017; 47: 193–197