O impacto da depressão no ambiente de trabalho:os sintomas cognitivos da depressão interferem na produtividade
Um trabalhador que passa a atrasar a entrega de tarefas, a esquecer compromissos e a ter dificuldade de tomar decisões habituais reconhece, com preocupação, que seu desempenho rotineiro está seriamente prejudicado. A estafa, a pressão do trabalho, a necessidade de férias e os problemas externos são explicações plausíveis para essa queda de rendimento. Na maioria das vezes, os trabalhadores não reconhecem tais sintomas cognitivos como depressão no ambiente de trabalho. Sabe-se, no entanto, que os prejuízos cognitivos podem estar presentes em até 94% do tempo durante um episódio depressivo.1
Embora se estime que nas próximas décadas a carga global da depressão sobre a saúde mundial se constituirá na segunda mais elevada entre as doenças crônicas, são escassas as informações sobre seu impacto no ambiente de trabalho. Os sintomas depressivos interferem diretamente na rotina dos trabalhadores, com influências negativas pessoais e na produtividade de uma empresa. Calcula-se que os empregadores norte-americanos gastam cerca de 44 bilhões de dólares anualmente com a perda de produtividade secundária à depressão.2
Um recente estudo conduzido em sete países que envolveu mais de 7.000 trabalhadores, o IDEA (Impacto da Depressão no Local de Trabalho na Auditoria Europeia),3 da Associação Europeia de Depressão,4 estimou o custo anual da depressão em cerca 92 bilhões de euros. Para comparar os achados do IDEA sobre a percepção da depressão e suas incapacitações entre os profissionais do Brasil, o Instituto Ipsos Mori coletou e analisou dados de 1.000 trabalhadores.
Os participantes eram profissionais ativos, funcionários e gerentes de empresas de diferentes portes, de 16 a 64 anos de idade, recrutados aleatoriamente e convidados a responder um questionário anônimo pela internet.5 Cerca de um entre cinco participantes (18,9%) relatou ter recebido diagnóstico de depressão de um médico ou profissional de saúde ao longo de sua vida ocupacional.
O choro sem motivo, a perda de interesse pelas atividades rotineiras e a tristeza foram citados pela maioria dos trabalhadores como os principais sinais indicativos de depressão. (Quadro 1)
Sintomas associados à descrição de depressão de todos os trabalhadores (n=1.000) relatados no episódio mais recente de depressão (n=189)
Adaptado da referência 5.
Adaptado da referência 5.
À semelhança dos resultados europeus do IDEA,3,4 os dados do Brasil indicaram que mais da metade (53%) dos profissionais que apresentaram depressão relataram ao menos dois sintomas cognitivos, mas somente um entre três (34%) trabalhadores os associaram ao transtorno depressivo.5 Os sintomas cognitivos mais relevantes foram dificuldade de concentração, indecisão e esquecimento frequente.
De acordo com pesquisa do Instituto Gallup sobre produtividade, os casos de absenteísmo provocados por depressão custam anualmente 23 bilhões de dólares para as empresas dos Estados Unidos.14 No Brasil não há estimativas do impacto direto da depressão (...)
Corroborando os dados brasileiros, os pacientes deprimidos consideraram essas deficiências cognitivas como sintomas graves cuja intensidade foi incapacitante o suficiente para afetar sua rotina diária.6 Dessa forma, a abordagem da disfunção cognitiva pode ter implicação terapêutica vital no local de trabalho,7,8 uma vez que o desempenho parece ser mais bem explicado pelo funcionamento cognitivo do que pela gravidade de outros sintomas de depressão.9-11
A grande maioria dos profissionais deprimidos (73,5%) continuou a trabalhar e relatou graves prejuízos de desempenho.5 Os sintomas que mais tiveram impacto no desempenho profissional foram a perda de interesse, os aspectos cognitivos e a tristeza. (Quadro 2) Entre os fatores que levaram muitos trabalhadores a evitar a licença médica pode-se considerar o temor de perder o emprego ou de ser preterido na carreira, além, principalmente, do estigma relativo à depressão que ainda persiste no ambiente profissional.
Embora a relação entre presenteísmo e redução de produtividade nos indivíduos com depressão seja um resultado esperado,12 a alta taxa de pessoas sem diagnóstico (subdiagnóstico) e/ou que não recebem tratamento adequado (subtratamento) merece maior atenção.
Em inquérito populacional brasileiro feito com 12.000 respondentes13 no qual a prevalência de depressão maior foi de 10,2%, uma esmagadora proporção dos afetados (72,1%) não recebeu diagnóstico e apenas 15,6% dos indivíduos com depressão tiveram algum tipo de tratamento medicamentoso.
Os sintomas incapacitantes que mais afastaram o trabalhador de suas atividades foram: perda de interesse por atividades rotineiras, tristeza ou humor deprimido, problemas de sono/insônia, choro e sintomas cognitivos. (Quadro 2) Embora os sintomas cognitivos tenham tido baixa identificação com a depressão, mais da metade dos trabalhadores relatou que tais sintomas resultaram em licença médica por depressão.
Sintomas depressivos com impacto no desempenho ocupacionaldurante o episódio depressivo (n=139) e sintomas que causaram afastamento do trabalho (n=63)
Adaptado da referência 5.
Adaptado da referência 5.
De acordo com pesquisa do Instituto Gallup sobre produtividade, os casos de absenteísmo provocados por depressão custam anualmente 23 bilhões de dólares para as empresas dos Estados Unidos.14 No Brasil não há estimativas do impacto direto da depressão, no entanto é possível inferir que esse custo também é bastante expressivo, uma vez que a média do tempo de afastamento necessário para a recuperação da depressão foi de 65,7 dias, totalizando perda de 4.137 dias não trabalhados.5
Um resultado que chamou a atenção refere-se à opinião dos gerentes brasileiros, que estimaram em apenas 29,5 dias o tempo necessário para que um funcionário afastado do trabalho por depressão retorne às atividades. Esse número de dias de ausência foi duas vezes menor que o período real relatado por trabalhadores licenciados por depressão.5
A maior parte das licenças médicas motivadas por depressão se estendeu por mais de 21 dias. (Quadro 3)
Média do número de dias de afastamento devido à depressão e total de funcionários em licença (n=63), com divisão por sexo
Adaptado da referência 5.
Adaptado da referência 5.
Embora as mulheres tenham apresentado duas vezes mais depressão que os homens no ambiente de trabalho,5,15 as licenças foram mais prolongadas para os homens do que para elas (80,5 vs. 56,2 dias; p<0,05) entre os trabalhadores que se afastaram das atividades profissionais. A elaboração de estratégias preventivas dirigidas aos indivíduos com maior vulnerabilidade e propensão à depressão constitui um desafio para os profissionais da saúde ocupacional e para os dirigentes das empresas que desejam evitar as consequências adversas do absenteísmo por depressão.
Comentários
A depressão deve ser considerada segundo a perspectiva da interação do indivíduo com suas necessidades pessoais e ambientais. Na maioria das vezes, um quadro depressivo se instala ainda na segunda ou na terceira década de vida, quando os indivíduos estão em plena vida profissional ativa. Isso tem consequências negativas não só para o indivíduo como também para a sociedade, as empresas e a economia das nações. Embora essa condição seja prevalente e existam tratamentos eficazes, a maioria dos indivíduos não recebe diagnóstico correto nem terapia adequada.
Muito pode ser feito para melhorar a identificação e o tratamento dessa condição devastadora. Mais do que relegar tal tarefa aos indivíduos que sofrem com episódios depressivos, a sociedade e o ambiente onde eles se inserem deveriam ter participação ativa. Nesse sentido as empresas poderiam reduzir os efeitos deletérios da depressão sobre a produtividade alocando recursos para prevenir e tratar a condição entre seus funcionários.
As sociedades baseadas no trabalho devem fazer esforços para dissipar o estigma persistente que paira sobre a depressão nos ambientes ocupacionais. A ajuda a um funcionário com depressão por parte de gerentes e colegas pode melhorar as percepções organizacionais do local de trabalho, promovendo maior abertura ao tratamento apropriado.16
Assim, a identificação do grupo de trabalhadores mais vulneráveis e dos fatores associados ao encaminhamento dos funcionários com depressão pode modificar drasticamente o curso da doença. Algumas estratégias – como horários flexíveis de trabalho – podem ser úteis, mas não necessariamente suficientes. As mudanças de atitude das pessoas que sofrem de depressão, de colegas de trabalho e do gerente ou chefe podem abreviar a espera para obter tratamento, reduzindo o impacto sobre o indivíduo, a sociedade, a empresa e a economia como um todo.
A disponibilização de recursos de saúde e de profissionais especializados aos funcionários com depressão facilita a busca de aconselhamento e as soluções desse problema generalizado.
A promoção do bem-estar do trabalhador e a conscientização dos sintomas depressivos – sobretudo entre os grupos vulneráveis e os gerentes – com programas educacionais podem estimular os trabalhadores a procurar cuidados ainda nas fases iniciais da depressão, abreviando o afastamento das atividades ocupacionais. Por fim, a formulação de políticas trabalhistas protetoras ajuda a diminuir o medo da demissão em um momento de crise econômica. Esses ingredientes podem ser o primeiro passo de uma grande campanha nacional de luta contra a depressão no local de trabalho.
Os fatores estruturais do ambiente, tais como o tipo de serviço, a carga da jornada e o sistema de exigências profissionais e de recompensas financeiras, certamente podem determinar o surgimento de casos de depressão. Entretanto, a compreensão das percepções do local de trabalho e das consequências para os trabalhadores com depressão são fundamentais para implementar a melhor estratégia custo-efetiva de combate a suas manifestações em cada empresa. A capacidade produtiva dos indivíduos deve ser definida como o bem mais valioso e como prioridade clínica de investigação na agenda da saúde das pessoas no mercado de trabalho.
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Médico psiquiatra e pesquisador (LIM-23) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Professor de pós-graduação do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP.